terça-feira, 23 de junho de 2015

A contribuição dos mosquetões para elevação do índice VDM*

Mosquetões são projetados para muitas aplicações. Cada aplicação tem uma particularidade e precisa de um mosquetão adequado a ela.

*O índice VDM mede as possibilidades de um dado evento resultar em merda. 
(Vai Dar Merda)
Afinal, merdas acontecem. 

Nesse post vou propor algumas reflexões sobre os mosquetões usados em voos de parapente.




Como montanhista a questão 'mosquetão' sempre esteve mais ou menos resolvida para mim. Mas no meio do voo livre eu sempre ouvia que "há muitas coisas que podem acontecer antes de dar problema com seu mosquetão". Essa frase reflete a crença de alguns pilotos de que essa peça é super dimensiona e não sofre as mesmas exigências que em outras atividades, como aquelas decorridas de quedas em escaladas, por exemplo. Assim, está longe de dar problemas.


Contudo, já houve casos de acidentes com mosquetões, tanto pela ruptura de materiais quanto pela falha mecânica ou uso inadequado. 

 

Uma coisa muito relevante é que em caso de ruptura o desconexão de um dos mosquetões a tarefa de lançar o reserva pode ser dificultada.


Nesse vídeo dá medo só de olhar, imaginem uma turbulência mais forte:



Veja esse interessante teste de vibração mostrando que mosquetões de rosca abrem-se com relativa facilidade quando submetidos à vibração:



Mas eu comecei a dar mais atenção aos mosquetões do meu equipamento de voo depois que registrei um incidente comigo mesmo, como podem ver no vídeo abaixo:



Eu flagrei a mesma coisa durante o pouso pela checagem das gravações de vídeo. Sem risco, pois ocorria durante a corrida no chão, mas vai saber quantas vezes isso ocorreu?


Detectado o problema, eu comecei a estudar para entender como ele ocorria pois apenas trocar o mosquetão não meu ensinaria nada. Elaborei algumas hipóteses e passei a observar e registrar o comportamento do dito cujo. Para isso usei a GoPro.


Depois de três voos já foi possível compreender as causas do problema.

A primeira constatação foi de que isso ocorria na decolagem, pois eu, piloto novo, tendia a manter as mãos próximas aos tirantes logo após decolar. Isso fazia com que eu "raspasse" as costas do dedão no mosquetão e girasse a trava que liberava usa abertura.

Um mosquetão novo do mesmo tipo simplesmente fecharia novamente, mas o meu já era usado e possuía uma pequena rebarba que algumas vezes dificultava seu fechamento imediato.

Essa rebarba fazia a trava esbarrar na borda e encaixar perfeitamente, com isso mosquetão não fechava.

Um detalhe extremamente simples, mas o suficiente para eleva o índice VDM.

Sabemos que zerar esse índice é o objetivo do todo piloto consciente.




Mesmo durante as decolagens, talvez o mesmo tenha ocorrido mais vezes sem que eu percebesse.

Devemos lembrar que a resistência de um mosquetão aberto diminui para até 1/3 do seu valor nominal. Isso é expresso na maioria dos mosquetões, como se pode ver no detalhe abaixo. Nesse caso, em posição normal a resistência do mosquetão é de 18 Kn. Aberto é de apenas 6 Kn.


Portanto, o mosquetão não deve abrir em voo!

Além da possibilidade de ruptura, uma conjunção de eventos pode aumentar as chances de escape do tirante. Na foto ao lado temos ilustração uma situação delicada pela qual eu não gostaria de passar. A foto é de fonte desconhecida*** (talvez não real), mas ilustra bem a situação.
Enquanto fazia os testes pesquisei alternativas de mosquetões que me dessem mais segurança e encontrei dois modelos que me agradaram.
Um deles é este abaixo, comercializado pela Sol. Observem que a trava é dupla. para abrir você precisa puxar para cima e girar para o lado.




Outro modelo interessante é o que eu resolvi adotar. Está disponível nos site Alta Montanha.

Nesse caso, para abrir o mosquetão se faz necessário pressionar uma pequena trava abaixo da parte móvel do mosquetão. 

Quando ainda estava na escolinha eu usava esse modelo e achava ruim de abrir, pois precisa ter 'jeito'. É justamente a necessidade de 'jeito' que me faz confiar mais nessa peça hoje. 

Quando troquei de selete mantive o mesmo par de mosquetões. São os que uso até hoje e que pretendo continuar usando.


Fatores que elevam o índice VDM:
  • Comprar mosquetões usados;
  • Usar mosquetões inadequados ao tipo de uso específico;
  • Bater o mosquetão contra superfícies rígidas (pode gerar micro fissuras internas);
  • Não fazer inspeção frequente;
  • Achar que isso nunca vai dar problema.

É isso.
Bons e seguros voos!

Upadate 1

Como foi bem lembrado por amigos leitores do blog, eventualmente o fechamento automático pode ser dificultado por sujeira, detritos, areia etc... A inspeção frequente dos mosquetões deve incluir quando necessário limpeza e lubrificação. Se mantemos nossos mosquetões longe da areia e da terra é provável que raramente seja necessário lava-los. No voo livre isso é mais fácil que na escalada onde mosquetões ficam literalmente em contato com as rochas. Ainda assim, estamos sujeitos a pousar em locais de areia, alagados, arados, água...

No caso de pousar na água em situações de emergência, ou em algum SIV, faça inspeção, limpeza e lubrificação das peças. Talvez as piores situações sejam lama e água salgada. Atente para isso.

Em seu blog, o escalador Eliseu Frechou** sugere lavar mosquetões de escalada, Segundo ele, pode-se usar água quente e sabão mesmo. Após lavar deve-se secar completamente no sol e depois lubrificar as partes de encaixe móveis e mola. Para lubrificar pode-se usar óleo ou grafite. Mas atenção: óleo em excesso pode ser um problema maior, pois há chance de o excesso de óleo servir de agregador de pó e areia e também sujar a selete. Deve ser, portanto, na medida.

* Agradecimentos pela contribuição de João Marcelo Maschião
** https://eliseufrechou.wordpress.com/2013/12/04/lubrifique-os-mosquetoes-de-escalada/

Upadate 2
*** Agradecimentos ao Adriano José dos Santos pelo envio da foto.